terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Serra de Gredos

Tanto tempo que esperei pela companhia ideal e não é que encontrei...
Desde 1999 que sonhava voltar a Piedrahita, tinha lá estado por esta altura com um grupo de amigos e... que fabulosa experiência... campismo selvagem e parapente assim foram os dias!
De Piedrahita tinha ido a Navacepeda de Tormes, fiquei profundamente apaixonada pela Serra, La Sierra de Gredos. No entanto, aquela viagem na qual ía de “forma dependente” ficava por ali, no sopé da serra. Ainda antes do regresso já me imaginava a voltar, quero chegar mais perto..
Sempre por um motivo ou por outro, talvez por não ter encontrado a companhia para o pretendido, A Serra de Gredos era adiada e foi adiada durante onze anos... Um dia desafiei a pessoa certa... e não só aceitou o desafio como contrapropôs “vamos de mota!”. E assim foi o primeiro ponto de fuga em duas rodas...
            Não foi fácil “empacotar” toda a tralha, desde tenda, sacos de cama, roupa, ferramentas da mota, etc, numa fase inicial pareceu até impossível alguma vez conseguir arrumar tudo... tira daqui, aperta dali e lá conseguimos, afinal não foi uma missão impossível, a mota ficou preparada (leia-se carregada!!) e saímos na manhã seguinte.
A Serra de Gredos é uma cordilheira no centro da Península Ibérica, os seus picos formam o Circo de Gredos, sendo o mais alto o Pico Almançor com 2592 metros de altitude.
Planeámos seguir directos a Piedrahita, uma paragem nostálgica. Este impacto nostálgico não foi o que esperava, talvez por estar noutro contexto que nada tem a ver com o anterior, talvez por não identificar exactamente o local à experiência vivida. O que não se verificou quando começámos a subir a Serra... Aquelas curvas e contracurvas eram inesquecíveis e a vista da descolagem muito menos.


Tivemos a sorte do bar estar aberto, deu para comer um gelado pois os graus eram muitos e ainda apareceram dois parapentistas que nos brindaram com um voo. Aqui sim a nostalgia foi mais do que tudo, fez-me recordar o que me levou lá a primeira vez, o ambiente, o montar da asa, o equipar para descolar, o barulho da asa a insuflar, virar e correr até levantar, que sensação a de tirar os pés do chão... e... “lá vai ela vale a fora...”.
Deu para matar saudades, está na hora vamos lá, próxima paragem: El Camping Gredos em Hoyos del espino. O parque é muito agradável, no sopé da vertente norte da serra, monta a tenda, arruma a tralha e vamos descansar dos 500 e muitos quilómetros... Aaaahh... não!! Vamos fazer o reconhecimento da zona envolvente, nada melhor que caminhar para esticar as pernas das seis horas de viagem!

Que sítio fabuloso, que paz de espirito, que cheiro a campo, a cavalos, a vacas...
Decidimos seguir o barulho da água que fazia de fundo aos badalos tilintantes das vacas que com os seus muuhhss de satisfação fizeram nos acreditar que eram as vacas mais felizes do mundo naquele lugar campestre paradisíaco. Esta foi sem dúvida a música desta viagem.
            Queríamos fazer uma das caminhadas da serra, a Rota das 5 Lagoas. Iniciamos em Navalperal de Tormes, esperavam-nos 12 km a partir dos 1225 metros de altitude até aos 2120 metros, a última das cinco lagoas, com mais 12 km de regresso. Á nossa frente tínhamos o Circo de Gredos, este foi o nosso quadro pintado bem a cores, montanha de um lado e outro, seguimos pelo trilho no fundo do vale nunca perdendo de vista o imponente objectivo.


            Toda a caminhada foi incrivelmente marcada pelas cores, Junho, final da Primavera e início do Verão, as flores estão vivas e abertas, o verde abunda e contrasta com o azul do céu de um dia magnífico.


            Conforme avançamos vale a dentro vamos deixando de ver a vila, até ao ponto de ficarmos completamente isolados. Autêntico paraíso... o calor aperta, vamos refrescando com a água do rio que nos acompanha vale acima, queremos chegar ao ponto de partida desta água... a neve que ainda resta do Inverno rigoroso que se sente em Gredos.


            Durante este percurso várias são as lagoas que se formam pelas rochas que durante anos rolam fazendo destas paredes montanhosas encostas acidentadas e espaços naturalmente incríveis.
            Quanto mais nos afastamos da civilização mais aumenta a sensação de liberdade, sinto-me bem, sinto-me liberta do peso da sociedade, vá se lá saber porquê... sinto-me outra, sinto-me pequena nesta imensidão e ao mesmo tempo grande, grande de tão extasiada pela harmonia com a natureza, sinto-me parte dela...
            Que estranho, parece que ouvimos “saltos altos”... que ágeis!! As Cabras Montês de Gredos, observam-nos e mostram-nos sem dúvida quem realmente está em casa... É impressionante como sobem e descem o terreno e pulam entre rochedos.
Entretanto, uma mais extrovertida posa para a foto...




            Chegámos ao abrigo de “La Barranca”, paramos para repor energias e fazer o ponto de situação, vale-me a paisagem... venho já há 6 quilómetros a fazer de conta que não sinto as bolhas nos calcanhares, sinto-me frustrada... quero estar a 200% para usufruir de tudo isto...
            A partir do abrigo deixa de haver trilho, só se vê pedra!! Parece que estamos quase a chegar mas há sempre mais pedra... parece que o caminho está a crescer. São pedrinhas, pedras, pedregulhos e pedregulhões... deixamos de caminhar e começamos a saltar de rocha em rocha como as amigas cabras, sem dúvida mais ágeis que nós... A água desce entre as rochas formando pequenas cascatas entre os buracos criados pelo amontoar das mesmas.


            À medida que se vai chegando ao topo o ambiente muda, as cores são agora esbatidas e a paisagem inóspita mas surpreendentemente majestosa pela energia que transmite.
Tento congelar as bolhas com os pés de molho naquela água do degelo na esperança que me ajude a aguentar o caminho de regresso... Enquanto o meu companheiro de fuga vai até à neve...



            Tendo em conta as horas que faltam de luz é melhor começar a fazer o regresso, olho à volta e tento guardar na minha memória fotográfica pormenores deste recanto do Mundo, salvo pela mãe natureza, longe das mãos da civilização, onde as construções são feitas pela fúria do incontrolável, do tempo, do gelo, do vento, tal como a natureza idealiza...
            O regresso foi feito passo a passo, com o vislumbre do vale, com o quadro de fundo da civilização, o regresso à realidade, o acordar de um sonho, de uma outra dimensão, na qual nada somos a mais que qualquer outra pedra aqui perdida no tempo.
            Chegámos ao final da caminhada de olhos e barrigas cheias de tudo... de tudo aquilo que vínhamos à procura!! Ao mesmo tempo vazios... cheios de fome!! Precisamos de carregar baterias, depois de um banho bem merecido, agora de água quente, fomos ao centro de Hoyos del Espino e depois de averiguar a oferta restaurante, a escolha fica com o meu companheiro de fuga, raramente me desilude, costuma ter pontaria... Sentamo-nos naquele que parece mais retrógrado com com vista para a serra! E não é que comemos a melhor carne de vaca alguma vez por nós degustada... pratos como que arquétipos da culinária, na Cafetaria El Plantio, sem dúvida aconselhado, de facto as aparências iludem...


            No dia seguinte decidimos passar o dia a recuperar, nada melhor do que passar o dia no rio, isolados do Mundo. Fomos até Navacepeda de Tormes e descemos até ao Pozo de Las Paredes, no rio Barbellido, um afluente do rio Tormes. Este local é emblemático pela ponte romana e pelas parede rochosas que fazem, no Verão, deste sítio uma piscina muito apetecível e visitada pelos turistas.


            Como nos fascina o silêncio do isolamento fugimos pela margem do rio acima até encontrar o spot para o nosso dia. Água e sol era tudo o que queríamos e aqui é o que não falta. Cantos e recantos aquáticos, mergulhos, jacuzzis, hidromassagens, tudo ao natural e para aquecer nada como deitar nas pedras perdidas no meio do rio quentes pelo magnífico sol, que spa maravilhoso...


            No dia seguinte reparámos que a pacata vila de Hoyos del Espino tinha sido invadida por colunas, ferros, palcos, percebemos depois que era a semana do Festival anual Músicos en La Natureza, deve ser, pelo conceito, interessante mas não faz parte dos nossos planos, queremos sossego... está na hora de partir! Para a despedida desta vertente da Serra ainda fomos até à Plataforma de Gredos, uma estrada de curvas e contracurvas num dos tantos vales desta Serra, onde mais uma vez as cores pintaram um cenário daqueles inesquecíveis.
            Carregámos a mota e despedimo-nos da “música” do parque de campismo, seguimos com  o objectivo de contornar a Serra até ao sopé da vertente sul, queremos vislumbrar a paisagem a sul do Circo de Gredos. Descemos a Serra pelo extremo direito e, como é desejo comum, pretendíamos abancar ao pé da água, no Embalse de Rosanto. A desilusão foi grande, depois do êxtase de rios transparentes e cores primaveris envolventes foi difícil sentirmo-nos agradados com esta água castanha, este cheiro a civilização, estas cores de poluição...


             Valeu-nos a vila de Candeleda, extremamente acolhedora e que nos serviu, mais uma vez acertada escolha do companheiro de fuga, os petiscos e as cervejolas que nos consolaram a desilusão. Nem a imagem do mesmo Circo de Gredos vista nesta perspectiva consegue alcançar metade da imponência vista do outro lado. E como quando não estamos bem não ficamos por ficar, arrumámos a tralha e partimos... Foram quilómetros e quilómetros de estrada debaixo de um sol abrasador, que secava a roupa em minutos depois de a molharmos para refrescar. “Vamos dormir em Idanha-a-Nova, lá temos água da boa!!”, esta estava programada para outra altura mas dado o regresso antecipado e a fome de água... lá fomos!!
            Fica como ponto de fuga a vertente norte da Serra de Gredos, valeu a pena esperar a companhia... foi a melhor!!!
            Chegados a Idanha assentámos o arraial no parque de campismo e fomos espreitar as águas da albufeira da barragem Marechal Carmona, como ainda não estamos no pico do Verão a calmaria permite-nos usufruir do sítio, nadar e apanhar sol. À noite decidimos ir jantar ao centro de Idanha. Depois da adrenalina de subir à parte histórica de mota pela calçada romana... que loucura!!! Este Homem domina a máquina e por mais louco que me possa parecer sinto-me segura... confio na sua noção de perigo e sei que sabe o que faz além das “maozinhas” que tem para isto...


            Já no centro, sentimos a tristeza de uma vila abandonada pelas oportunidades das capitais, das cidades... Aqui ficaram os poucos que não se aventuraram em terras alheias... os que se agarraram a esta terra...
            Queríamos algo tradicional mas não havia nenhuma porta aberta... Acabámos por entrar num restaurante italiano, por sinal bem decorado, rusticamente inovador, com ementas requintadas e tradicionais, um investimento dos poucos novos que voltam À terra.
            Como ainda nos sobrava um dia, pelo regresso antecipado, fomos até Monsanto, “a aldeia mais portuguesa de Portugal”. Esta aldeia foi construída num cabeço, conjugando as construções de habitação com os acidentes geográficos típicos deste local. A vila é feita de casas entre penedos graníticos, que além de lhes dar uma arquitectura particular, são aproveitados como paredes ou tectos. Que casinhas amorosas!!
            A hospitalidade é prata da casa, desde as senhoras que vêm ver-nos passar, àquelas que nos querem vender as tradicionais marafonas.


             Embora também com uma população reduzida e envelhecida, Monsanto tem vida, tem turismo, um Castelo magnífico e uma paisagem da planície a perder de vista. E foi com esta paisagem que almoçámos, mais uma aposta de gente da cidade numa terra do interior, um espaço agradável que combina o desenvolvimento e experiência com os produtos regionais... Numa esplanada no cimo de um pedregulho, uma tábua repleta de colesterol e coisas boas...




1 comentário:

  1. É tortura ler estas linhas e não poder zarpar já para um qualquer"Ponto de Fuga"

    Nuno Vilhena

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