sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Rota da Mina das Sombras

Esta volta começou ainda em Portugal a poucos metros de Espanha... No caminho para a Portela do Homem somos presenteados com o passeio dos tímidos garranos, estes têm dono passeiam sozinhos.


Ainda em Portugal preparámos as biclas e... “Vamos ali a Espanha e já voltamos...” Passamos a fronteira a pedalar, começamos a descer a OU-312 na Província de Ourense.



Entramos à direita no verde da Baixa Limia Serra do Xurês. Estradão largo a subir, de curva e mais curva, a subir... aqui também existem rotas de caminhada mas não encontramos ninguém. O fuga vai à frente, faz-me sinal: “Chiuuuuu!!!....!, aproximei-me devagar... um veado a olhar para nós, tinha atravessado o caminho mesmo à frente dele...
E subimos.... subimos... a vista começa a ganhar dimensão, este é o bom de subir, é olhar para trás e dislumbrarmo-nos com a paisagem. A estrada é acessível, basta marcar uma sequência de pedalada e mantê-la até lá acima...


Chegados à cumeada da montanha com o rio lá em baixo do nosso lado esquerdo, continuamos a pedalar vale a dentro. Que caminho sensacional, desenhado pelos contornos das montanhas e dos gigantes de xisto aqui perdidos. Estamos cada vez mais dentro do vale, cada vez mais longe de tudo. Olhámos para a outra margem e vemos o trilho que iremos descer, mal sei o que me espera...
Quando pensamos que estamos relamente longe de tudo, aparece um senhor a passo rápido, galego pelo sotaque, vindo do nada e sem vestimenta apropriada para eventual caminhada que estivesse a fazer... ele há cada maluco... está bem que é a descer, mas teve que subir... parece ele que foi ali e já volta... de onde terá vindo?? Do trabalho?? Das minas?? Fiquei intrigada... Não era um simples caminhante, não era uma simples aventura como a nossa, eram passos decididos, rotineiros, roupa de trabalho, sozinho, de que será que ele toma conta?? Não há nada no fundo do vale... Ou será que há?? Ficou a dúvida pois foi a única vivalma que encontrámos até chegar à seguinte povoação e que muito ainda tivemos que pedalar para lá chegar.


Este vale acolhe uma das caminhadas emblemáticas desta zona, A Rota da Mina das Sombras. Bem refundido no vale está o que resta das minas de volfrâmio muito exploradas durante a II Guerra Mundial. Nesta altura era um metal escasso e muito valioso, era utilizado para endurecer o aço utilizado na blindagem aérea, foi portanto, uma verdadeira “mina” nesta altura de guerra. Entretanto, com o final da guerra e com os minerais vindos da China, da Birmânia e da Bolívia, os preços de volfrâmio desceram bastante, fazendo com que as Minas das Sombras entrassem em decadência. Estão desactivadas há mais de 50 anos, restam os trilhos e os vestígios do que em tempos foi abrigo e trabalho. Mas a nossa volta não chega às minas, para lá só mesmo a pé e de bicicleta às costas torna-se complicado.
Paramos no fundo do vale, no cotovelo do estradão, para “almoçar”, uma bela sandes sentados nas pedras do rio com uma sombra magnífica. Subimos 13 quilómetros e estamos a 1036 metros de altitude.



 Subimos mais um pouco e apanhamos o Sendeiro da Mina das Sombras, o tal trilho que tínhamos avistado do outro lado do rio. Este caminho era utilizado pelos mineiros para transportar diversos materiais, desce o vale sempre ao lado do Rio Vilameá. Grande descida que nos espera, o fuga avisa “cuidado que este é bastante técnico...” eu penso “bora lá...”. O bastante técnico tornou-se impraticável, as chuvas este ano vieram tarde e fortes, o trilho foi fortemente fatigado pelas pedras que rolaram pela serra e ali ficaram.



Até caminhar se tornou complicado, com os sapatos de encaixe... foi um verdadeiro monta e desmonta, torci o pé esquerdo três vezes e ainda agora estava no início... Ai a minha vida... se isto for sempre assim muito vou ter que penar... Mas é nestas alturas que paramos para respirar fundo e somos recompensados com as belezas da natureza, cascatas lindas deste rio lindo!!


Trilho bem estreito, pedras soltas, escarpas assustadoras, o sol a fritar os miolos, o rio lá em baixo, um deslize e é a morte do artista... Caio, apanho um susto daqueles e prefiro não arriscar... volto a desmontar!!!
Conforme vamos descendo vamos ficando mais perto da linha de água, o trilho vai ficando mais acessível, pedra partida a tombar para a água mas vai se fazendo.


Chegámos à linha de água, paramos na Ponte de Portas Paredes para refrescar um pouco e voltar a carregar baterias.


As lagoas que se formam com esta água apetitosa fazem deste cenário um real vale encantado.
Passamos a ponte para a outra margem e aqui o cenário muda literalmente de “verdura”... acabou-se o trilho estreito desorganizadamente empedrado e entramos como que numa floresta sombria e alcatifada.


A sombra acaba mas a alcatifa continua, subimos a montanha novamente e ficamos maravilhados, contemplamos os montes e montanhas que fazem deste Xurês um quadro harmonioso, digno de um aprazível panorama natural.


A alcatifa tornou-se nossa inimiga... O fuga diz “vem no meio do trilho, as pontas podem ter armadilhas”, a alcatifa estende-se por ali fora e esconde os buracos que estão por baixo... Assim foi, esbardalhei-me numa armadilha... pensava que que tinha tudo controlado, rodas em piso firme, quando ponho o pé direito no chão, uhuhhuuuu não havia chão... entrei com a perna na traidora alcatifa e fiquei a sentir que o seu aspecto fofo era mesmo só aspecto... aquele tapete castanho e verde que dá um ar delicadamente achamboado aos nossos olhos são na verdade silvas secas... autênticas, não digo ratoeiras mas, picadeiras!!! E não foi só a minha perna que sofreu com os picos agreste... foram também os pneus... “Tenho um fuuuuroo!!” tal não é o espanto que afinal não é 1... são 3!!! Na roda de trás!! Troca-se a câmara de ar e está pronto... Segue caminho.
Esta descida é realmente extraordinária, é um regalo para o BTT, curvas e curvinhas, pedras, dropes, tivesse eu levado câmaras de ar de gel e era perfeito. Acabado este singletrack de encher as medidas e estava eu para outra vez... agora eram 2 à frente... já não tinha nenhuma câmara de ar, restavam os remendos de reserva do fuga e a bomba para encher a cada 500 metros, continuo a perder ar, com certeza ficou outro furo por encontrar mas com tantos picos era melhor nem mexer mais...


Chegámos a Torneiros, a primeira e única povoação que passamos em todo o percurso. Conhecida pela sua piscina de água quente, graças à sua nascente de água quente natural transformando, tal como o nome indica, num Caldo o rio que ali passa, o Rio Caldo...
Decidimos não chapinhar, a água quente ia dar cabo dos músculos e ainda vamos precisar deles bem activos e sinceramente com o calor que está quenturas é coisa que não apetece...
Saímos de Torneiros por fora de estrada e agora, como quase sempre, resta-nos subir até à Portela do Homem. Esta parte do track foi verdadeiramente alucinante, havia fogo na serra e um helicóptero voava para trás e para a frente a lutar contra as chamas. O barulho das hélices a ecoar no vale, queríamos sair dali pois no meio do mato não conseguíamos perceber se o fogo estava perto ou longe, mas reparávamos que o helicóptero não saía dali... e o pneu ainda com um furo chato que me obrigava a dar à bomba constantemente...
Chegámos à estrada de alcatrão, numa curva bem apertada que tivemos que atravessar, aqui encontrámos a estrada romana e um recanto com marcos miliares, o trilho por onde deveríamos seguir novamente serra a dentro. Parámos para reflectir e tomámos a decisão acertada, fizemos os 3 quilómetros que faltavam até à fronteira por asfalto, mesmo com um ritmo considerável o final parece sempre interminável... Lá chegámos à fronteira... Lá chegámos a Portugal... Agora vou comprar câmaras de gel para a próxima volta...


Assim fizemos 30 quilómetros a pedalar o Xurês com 1330 metros de acumulado, mais uma fuga daquelas que nos enche a barriga até à próxima...

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Aldeia da Mata Pequena

Foi uma fuga natalícia, sem sabermos bem para onde, começámos a pedalar em direcção à Venda do Pinheiro por fora de estrada... Tem chovido muito, os terrenos estão ensopados, as pedras escorregadias, desta vez foi o fuga a ir ao chão logo ao início eheheheh....
Subimos para a Asseiceira Pequena, aqui deixamos mais uma vez a estradas concorridas, fazemos alcatrão mas daquele que apenas serve de serventia aos poucos habitantes que aqui passam. Continuámos a subir, chegamos à Portela, começamos a sentir que estamos longe, bem longe, longe de casa, no isolamento, no rústico, no tradicional... Seguimos em direcção a Santo Estevão da Galés a apesar de estarmos na cumeada desta zona não conseguimos deliciar-nos com a paisagem pois o nevoeiro era tal que não o permitia, a húmidade era tanta que os capacetes pingavam e a roupa acumulava gotículas de água. Os óculos teimavam a embaciar, decidi guardá-los na mochila, mais tarde ía me arrependendo...
Estávamos em caminhos não antes pedalados... Arriscámos descer pela terra, as saudades da terra são muitas, o piso parecia porreiro... Ao início claro... Pois a chuva levou as pedras, os paus e tudo o que rola pela rampa abaixo, abrindo regos e mais regos, fazendo daquele caminho um autêntico fundo de rio, a curva onde se depositam todos estes obstáculos que apanham boleia da água ía estragando tudo... Maldita a hora que tirei os óculos, tinha agora os olhos cheios de lágrimas que verti com a adrenalina da descida, não conseguia ver o caminho nem tirar a mão do travão para limpar os olhos... Parei, não sei bem como, mesmo dentro da curva e daquela tralha toda que ali parou também... foi por pouco... assim que terminei voltei a pôr os óculos...
            A descida levou-nos à Ribeira dos Tostões, passámos a ribeira sem tostões... e subimos a outra vertente do vale, já cá em cima avistámos o Penedo do Lexim... Que zona fabulosa!!! Este Penedo está integrado no Complexo Vulcânico de Lisboa, considerado Património Geológico criada, então, a Zona de Protecção Especial do Penedo do Lexim. Ao lado deste Penedo, bem escondida na encosta do vale está a Aldeia da Mata Pequena. Esta aldeia remonta ao tempo dos romanos, isolada e esquecida no tempo, restam agora uma dúzia de habitantes. Eis que alguém decidiu investir num projecto de turismo de habitação, iniciando um trabalho de recuperação das casas com materiais originais da sua construção, respeitando o passado com a coerência estética, mantendo os elementos tradicionais.




            Um mimo de aldeia, exemplo da Arquitectura Tradicional da Região Saloia onde se conservam genuinamente as casas, as capoeiras, os poços, os currais, os animais, enfim... uma viagem nostálgica ao pouco que ficou nas nossas memórias do que era o passado. Pedalámos 20 quilómetros e parece que fizemos uma viagem ao remoto interior do nosso país, de facto fizemos, ao interior da zona oeste que muito tem para nos mostrar.




            Entrámos na “taberna” para repor os líquidos e quando saímos estão a chegar verdadeiras relíquias automóveis, a aldeia era ponto de paragem de um passei de natal desses automóveis. Apesar de instalada a confusão e de termos perdido a gostosa pacatez da aldeia, estes carros antigos enfatizaram o cenário da viagem ao passado nesta tradicional Aldeia da Mata Pequena.





            A descida para sair da aldeia foi tão deliciosa quanto a força que tivemos que ter nas pernas para subir a encosta seguinte... E muito subimos!! Mas valeu bem a pena, tão perto e tão longe esta fuga...

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Serra do Gerês - Mata da Albergaria e mergulhaças no Rio Homem


Numa fase inicial a Mata da Albergaria fazia parte da volta da Rota da Mina das Sombras, mas queríamos usufruir do espaço e acabaria por ser apenas o atravessar da Mata para começar a volta realmente dita e o atravessar da Mata para acabar a volta realmente dita. Assim sendo, decidimos fazer, no dia de descanso..., a Mata da Albergaria. Esta mata é um bosque precioso no Parque Nacional da Peneda-Gerês, considerado uma das Reservas Bioenergéticas do Continente Europeu, tal é o seu teor valioso de fauna e flora. É um paraíso de ecossistema, onde os seres vivos interagem aprazivelmente com os elementos inanimados que enfeitam os recantos deste acidentado monumento geológico.




 
Esta mata tem, também, parte do troço da Geira Romana e, ainda erguidos, os famosos marcos miliares.
Tem sido notável a luta entre a preservação da natureza e o ser humano, várias têm sido as tentativas de evitar ao máximo as consequências do rasto do Homem por estas bandas mas nem sempre é fácil. Tudo seria normal se o Homem respeitasse a preciosidade da natureza, obviamente não podemos generalizar, mas continua a ser muito o lixo deixado pelos piqueniques, muitas as inscrições de “Xxxx esteve aqui” como cicatrizes nas árvores, muitos os carros que não se ficam pela breve passagem e teimam em estacionar, muito o desrespeito por esta proeza que é o Gerês... Mas do mal o menos, muito tem sido o esforço de contornar os maus hábitos ensinando as pessoas a usufruir e ao mesmo tempo tomar conta do paraíso... E notam-se melhorias...
Esta foi uma volta “naturistica”... A intenção era passar o dia nas entranhas da mata, sentir a mata, usufruir da mata. Saímos do parque que fica a poucos metros da Barragem de Vilarinho das Furnas onde começa o caminho que nos leva à mata. Esta barragem começou a ser construída em 1971, aquando da criação do Parque Nacional Penêda-Gerês, o seu nome deriva da aldeia, Vilarinho da Furna, que nela ficou submersa. Nos anos de pouca água é possível verem-se as ruínas que restam desta aldeia fantasma subaquática, este ano não foi o caso...





O percurso é de terra batida e contorna a albufeira pelo seu lado direito mata adentro até ficar ao lado do Rio Homem. Todo o caminho é acompanhado por uma melodia auqática, na qual os instrumentos são as rochas graníticas atabalhoadamente encavalitadas no fundo do vale que obrigam a água a dançar para conseguir progredir por aquele labirinto abaixo.
Pedalámos até à Portela do Homem, fizemos uma paragem muito breve para ver as míticas lagoas do Gerês, dignas de todos os postais da região. São realmente bonitas mas de muito fácil acesso, é impossível para nós contemplar a natureza na sua plenitude. Voltamos para trás, para as entranhas da mata, e seguimos um trilho com o intuito de encontrar uma daquelas lagoas isolada.


O barulho começou a aproximar-se, vimos uma ponte de madeira, uma lagoa mas isolada não era com certeza... Estavam umas 20 bicicletas estacionadas no lado de lá da ponte e em cima da mesma com visão para a lagoa estava um rapazito, no seu trabalhinho de férias, a tentar inventar uma ferramenta para conseguir arranjar uma corrente partida... Era o guia dos adolescentes que estavam em grande coboiada às cacholadas no rio. Ter um fuga mecânico é uma mais valia e naquele momento fez a boa acção do dia. Arranjou a corrente e aliviou o stress do rapaz que tinha que pôr aquela malta toda a pedalar, bastava um ter que levar a bicla à mão e a aventura estava comprometida.
Continuámos o caminho, estamos muito altos em relação ao rio, o mato é cerrado e a encosta bastante inclinada, tentamos chegar um pouco mais perto da água e encontramos um trilho que com alguma ginástica nos levará lá abaixo... Arbustos, pedras, troncos caídos, carregamos com a bicicleta, um desce o outro passa e assim sucessivamente até chegarmos à linha de água. Uiiii!!!! Que maravilha!!! Não sei bem como vamos sair daqui mas por enquanto vale bem a pena o sacrifício e os arranhões...






Uma lagoa só para nós, um sol quente de Verão, um céu azul, água luxuosamente translúcida e pedras titãs que usamos como espreguiçadeiras, o que podemos pedir mais???




Depois de muito mergulhar e saltitar pela rochas, começa a entrar uma neblina, umas nuvens, tudo a tapar... bem se calhar é melhor pormo-nos a andar... Subimos aquela encosta numa autêntica escalada de bicicleta às costas e pedalámos a fugir das nuvens.


O temporal vinha de Espanha, para a zona onde seguíamos ainda estava céu azul, mas daquela não nos safámos, já no parque, só tivemos tempo de tomar banho e pouco depois de nos abrigarmos na tenda desabam quilolitros de água... Ainda à pouco a mergulhar naquela lagoa debaixo de um sol abrasador e agora a tirar água da tenda...
            Também estas imprevisibilidades são preciosas quando estamos felizes...

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Serra do Gerês - Volta da Geira Romana

Decidimos ir ao Gerês, à semelhança de Gredos, esta estava também adiada há muito e estava na altura de um ponto de fuga ciclistico.
O Parque Nacional da Peneda-Gerês foi criado em 1971, tem cerca de 72000 hectares de incríveis construções da natureza integrado no Maciço Hespérico, considerado pela UNESCO como Reserva Mundial da Biosfera.
O alojamento foi no Parque de Campismo da Cerdeira, um pouco acima do centro da aldeia Campo do Gerês a chegar à Barragem de Vilarinho das Furnas, indiscutivelmente aconselhado, não só pelo espaço envolvente como pela bela esplanada e apetitoso restaurante.
No parque, bicicletas preparadas e GPS para estrear, estávamos prontos para mais um dia do pedal. Começámos a descer até ao Campo do Gerês, o dia prometia, céu bem azul e o sol a aquecer-nos com os seus primeiros raios. No Campo do Gerês, e para não fugir à regra, ainda mal tínhamos começado e já andávamos aos papéis... voltas e voltinhas que nos levavam sempre ao mesmo sítio... não tínhamos nem 3 quilómetros e eu já me tinha espalhado e embrulhado nas silvas... O percurso inicial cruza-se com o percurso final, o guia estava a adaptar-se ao novo GPS e aqui não podia recorrer ao GPSmassacinzenta pois esta fuga é nova para os dois. Saímos da vila, pedalamos em alcatrão e parece que encontramos o sentido correcto do track, agora é que é...
Chegámos a Covide, uma pequena aldeia bem ao estilo serrano, casas de pedra e cheiro característico, cruzámo-nos com dois caminhantes que pelas caras estavam também extasiados com o misticismo da pequena aldeia.



Continuamos pela Nacional 304, absorvidos pela descida a embalar-nos nas curvas quando demos conta que... “Uuuuppss!!!! Já passámos o desvio....” Voltamos a subir e, escondido atrás de uma casa como que um caminho de serventia privada, lá estava o trilho que iria tirar-nos do asfalto... a subir claro...
Passada a sensação de estar a pedalar nos quintais dos vizinhos naquela minúscula terriola perdida na encosta que desce para Rio Caldo, estávamos agora por nossa conta, dali para cima só mesmo por aquele estradão de terra. A visão da encosta era de tal forma enrugada que não dava para ter a percepção do quanto íamos subir...
Começámos a subir... subir... subir... o calor aperta, a cabeça quase rebenta de quente, precisamos de água... continuamos a subir, o vale vai ficando cada vez mais fundo e a melodia de imensidão vai contagiando os nossos olhos, queremos ver tudo, fotografar tudo, o tudo é nada... estar no meio do nada... para nós é tudo!!!


Já moídos da inclinação e contentes por parecer pouco faltar, com o sol do meio-dia a fritar a noz cerebral, a motivação para cada pedalada era a busca de uma sombra ou de um ponto de água, o nosso termostato já se queixava. O calor era tal que conseguia sentir os poros a dilatar, cada linha de água que encontrávamos a descer a serra servia de ponto de paragem para nos encharcarmos e usufruir  da sua propriedade reguladora de temperatura.



A subida que se iniciou em estradão estava quase no topo mas o estradão estava transformado numa série de regos rasgados pelas águas das chuvas dos rigorosos Invernos que se fazem sentir nestas zonas e por pedras soltas que rebolam agora no terreno seco.


Quase a chegar ao topo.... Fenomenal!! Maravilhoso!! Excepcional!! Fabuloso!! Basicamente indiscritível... Uma alcatifa verde e fofa a contrastar com o castanho agreste e seco da subida e um gigantesco carvalho-negro que nos proporcionava a sombra que tanto queríamos naquele momento, naquele sítio de ninguém, onde sentimos uma profunda harmonia com a natureza...
Faltava subir mais um pouco quando o guia diz “não devias ter vindo de vermelho...” quando olho está um enorme boi barrosão, natural destas terras planalticas, petrificado a olhar para mim... e eu só penso “estará aquele bichinho de grande porte com aqueles chifres pontiagudos a ter alguma ideia???”... continuei a pedalar bem calminha a imaginar que era invisível no meio daquela imensidão e que com certeza o bicho não estaria a olhar para mim... mas estava mesmo... o seu olhar seguiu-me toda aquela subida, a sua postura é de tal forma sobranceira que... tive medo... é verdade!! Tremi por dentro!! Mas no final percebi que apenas estaria a olhar e a pensar “mas que estróinas são esses que vêm aí todos contentes a pedalar serra acima com um calor destes???” e tive que lhe dar razão... o medo passou...
Perto do boi, escondidos à sombra de gigantes pedras graníticas, estavam os fantásticos garranos da Serra do Gerês, que loucura!! Estes são selvagens e mais envergonhados que o boi que continua a controlar-nos, os cavalos escondem-se... com o rabo de fora...


Chegámos finalmente ao topo, ou não fossem os relinchares vindos debaixo das cúpulas dos Cedros e passava completamente despercebida a tropa de garranos que ali refrescavam... sshhhhiiuuuu!!!! Aproximamo-nos devagar para não os assustar, escondemo-nos atrás das pedras que harmoniosa e naturalmente ajudam ao esconderijo e observamos... ouvimos... cheiramos... que sensação... sentimo-nos intrusos por isso a pausa é breve e deixamos os garranos selvagens...


No topo passamos para a vertente da serra virada a sul... Uooouuuuu!! Que planície à nossa frente... Estamos outra vez noutra dimensão, que descida nos espera serra abaixo... Os sons ecoam e despertam a atenção. Tiros? Caçadores? Não é altura de caça... Não pode ser... Foguetes!!! Como é que é possível.. em pleno Julho às 13h da tarde, sendo esta, à semelhança de muitas outras no nosso país, uma área florestal fortemente fustigada pelos fogos, como são capazes estes aldeões de colocarem em risco a riqueza do seu património para anunciar as festarolas de Verão?? Valerá a pena anunciar uma festa que pode ser interrompida com a tragédia das chamas de um foguete mal sucedido?? Por favor, deixem-se disso!! Fiquem-se pelos bailaricos ao som de música pimba que nestes vales ouvem-se a quilómetros de distância.
Começamos a descer, a descer, a descer.... até darmos a uma pequenita aldeia, daquelas bem genuínas, todas em pedra carregadas e empilhadas por mãos de trabalho perdidas na história.


Passamos por um espigueiro, um tradicional espigueiro, utilizados para guardar os cereais e os proteger das intempéries e dos roedores mais esfomeados.


Procuramos uma fonte, por norma, todas estas aldeias possuem uma fonte de água potável para servir a população e nós agradecemos pois já temos o camelbak vazio e esta água é bem fresquinha. Sentadas à sombra no degrau da porta vemos uma senhora já idosa com três crianças ao fresco, que imagem bonita, que serenidade, que qualidade de vida, que isolamento... serão elas da aldeia? Estarão elas de férias com os avós?
Encontramos um parque de merendas e aqui a história do inicio repete-se... O trilho está completamente fechado, desde que saímos da estrada nacional 304 e ainda não nos cruzámos com ninguém, excepto na aldeia com a senhora e as crianças, é Verão, os arbustos cresceram, as silvas fecharam o caminho, não dá sequer para abrir caminho a desviar para o lado, o guia sugere apanhar o trilho mais à frente, conseguimos..


A volta continua e agora entramos na parte da Geira... A Geira é o nome popular dado à Via XVIII do Itinerário de Antonino, uma via romana com CCXV milhas, qualquer coisa como 318 quilómetros, que ligava a antiga Bracara Augusta (Braga) à antiga Asturica Augusta (Astorga). O percurso é caracterizado pelo seu caminho extremamente bem estruturado, infiltrado nas serras, evitando subidas e descidas demasiado acentuadas, que encurtava a distância contada a passos e marcada a cada mil com um marco miliar.


Vejo o guia, uma pouco à frente, a sair da bicicleta e penso “porquê parar ao sol?!?”, quando me aproximo percebo que a ideia não era parar... o caminho de terra estava cortado com um gigante boi barrosão estatelado ao sol em plena Serra do Gerês, já os seus primos estavam bem confortáveis a ingerir quilos de verdura que ali não faltam. “E agora??” Voltar para trás era impensável, não havia outro caminho apenas encosta... A experiência com o outro amigo mostrou-me que o que eles querem mesmo é sossego, este ali deitado sem dúvida queria sossego mas nós precisávamos passar... Aproximamo-nos devagar, com as bicicletas à mão, ele observa-nos... E eu penso “boizinho és tão fofinho!!! Levanta esse imensurável rabo do chão e deixa-nos passar...” ao mesmo tempo que acho que com todo aquele tamanho e peso devia estar colado ao chão... E eis que, calmamente, o boi se ergue do trilho e trepa elegantemente para a encosta, não cabendo um alfinete entre as patas traseiras e a última erva antes de chegar à terra... “Que medo!! E se ele escorrega?!?” Bem é melhor não pedir mais, já ganhámos o dia hoje com a boa vontade barrosã, deve ser dos ares da serra... Lá passámos...
As sombras aqui eram muitas e as linhas de água também, parecia que tínhamos entrado numa floresta tropical, o calor era agora acompanhado pela húmidade característica, o verde vivo da floresta transpirava o encantamento proporcionado... que delicia!! É realmente lindo!!



Finalmente encontramos alguém, numa parte rochosa e sinuosa de trilho entranhado na encosta, sozinho... um maluco a fazer a Geira a caminhar, quanto mais pedalava mais pensava o que ele ainda tinha para andar. Começámos a ter que caminhar também, caminhar e carregar, monta e desmonta, as pedras e os ribeiros começaram a surgir repetidamente e pedalar tornou-se uma tarefa difícil, não só pelos obstáculos como pelo encanto paisagístico que retia a nossa atenção.
Eis que surge um singletrack delineado pelo típico feto-do-gerês e as cores da encosta feitas pelo lírio e pelo hipericão-do-gerês, foi para mim um dos pontos de fuga mais fantásticos que tive até hoje, não consigo encontrar palavras que consigam descrever o que sinto naquele momento e quando assim é memorizo, memorizo a experiência, algumas só mesmo vividas...


A descida desta encosta levou-nos por uma série de singletracks estruturados pelos romanos e agora abertos pelos caminhantes e betetistas que nos encheram a barriga de descidas, curvas, curvinhas, drops e adrenalinop!! É por isto que vale a pena subir... para contemplar a paisagem a perder de vista e para desfrutar do prazer das descidas técnicas imbuídas em panoramas prodigiosos.
Já vamos com 30 e muitos quilómetros de puro btt e, apesar dos músculos se ressentirem, sentimo-nos tão bem aqui que não queríamos que chegasse ao fim, mas estamos chegar ao fundo do vale, avistamos uma estrada em alcatrão... É a Nacional 307 que vem de Terras de Bouro, leva-nos outra vez a Covide onde paramos numa daquelas tascas à beira da estrada, que sobrevivem de jogatanas de cartas e dominós... Olham-nos como extraterrestres, mas a hospitalidade é notável... Carregamos baterias liquidas para os poucos quilómetros que faltam até ao parque de campismo.

Volta concluída, ponto de fuga atingido, 47 quilómetros e 1310 metros de acumulado e de emoções vividas e bem validas. Foi sem dúvida uma experiência a repetir, foi sem dúvida uma fuga à biosfera portuguesa.
          O dia termina, depois de uma banho recuperador, com um jantar no restaurante do parque, com umas costeletas de vitela barrosã... humm.. que delícia!! É por isto que pedalamos... depois de um dia como este tudo tem outro sabor...